sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Desprendendo-se dos pesos inúteis da opinião dos outros


Sta Teresa D'Avila dizia que, se nós somos Imagem e Semelhança de Deus, e Deus é um mistério, nós por certo somos também um mistério. 

O Olavo de Carvalho, um filósofo brasileiro, escreve que nós, não obstante sejamos almas imortais, costumamos reduzir a nossa vida à mera dimensão material. Critica ele que a maioria de nós somente assumirá a condição de alma imortal após a morte, quando, ao contrário, poderíamos fazê-lo desde agora.

Tudo isto nos mostra algo da grandeza da nossa condição. O Cristianismo afirmará que o valor de uma alma humana transcende o de toda a matéria criada. De fato, somos algo de imenso. Ser, afinal, imagem e semelhança de Deus, para quem quer que reflita um pouco nisso, não poderia mesmo ser qualquer coisa.

Acontece que, geralmente, nós deixamos fazer parte da nossa vida uma infinidade de coisas que aviltam essa nossa condição. É interessante saber que uma das penas do inferno, o tormento pelo fogo, é um estado de humilhação permanente onde um ser espiritual está continuamente subjugado por outro de ordem inferior, o fogo material. O inferno é uma punição contra a soberba humana que, em vida, quis tornar-se deus sem Deus.

Uma das formas de decrescermos a nossa condição é quando entramos e obedecemos ao jogo das aparências e das suposições do nosso círculo de convívio. Para alguns, basta parecer bom, e não sê-lo de fato. Pensam ser suficiente que o outro presuma da nossa virtude, ainda que não a tenhamos na verdade. 

Já dizia S. Gregório de Nissa que todo este joguete não passa de ilusão e de besteira que só existe na cabeça do homem, carecendo de substância. Também S. Francisco de Assis foi, certa vez, visitado por um anjo que lhe perguntava: "O que valem os sonhos humanos? São mais frágeis que fumaça."

Se considerarmos isso com seriedade, haveremos de contemplar a grande imbecilidade que grassa no mundo; a enormidade da futilidade que ocupa os corações dos homens. O Gustavo Corção não deixava de corar ao perceber que a grande complexidade, por exemplo, da construção telefônica, para a qual ele contribuíra, terminara por servir à mais baixa tolice humana. Tantas despesas e tanto estudo terminariam por se converter em uma conversa sobre cavalos, quando muito.

Eis a que o homem se reduziu. Esqueceu-se da sua nobre condição e deu-se às lavagens da futilidade.

Estas suposições dos outros a nosso respeito, de que eu falava, podem ser, algumas vezes, percebidas. Se um sujeito nota a expectativa que um outro tem de si, e se for uma expectativa boa, ele sentirá a tentação de realizá-la. Lhe desagrada a idéia de que pode frustrar o outro naquilo que ele concebeu de nobre. Acontece, porém, que esta expectativa do outro enquadra o sujeito, reduzindo a sua infinidade de possibilidades a um padrão reduzido de atitudes.

Consideremos, então, o fato de que vivemos numa sociedade, isto é, temos relações com várias pessoas. É óbvio que obedecer as expectativas de todos é uma impossibilidade visto que não as conheceremos perfeitamente e muitas delas serão absolutamente contraditórias. Talvez elejamos algumas atitudes a partir das pessoas que as sustentam. Ainda assim, mesmo abstraindo a condição de não autenticidade que isto nos levaria a ter, este processo seria algo extremamente cansativo.

Vê-se logo que é uma empresa tola. Mas ainda que assim seja, há muita gente que vive desse modo.

Como já o dissemos, essa atitude exige da pessoa uma infidelidade a si mesma. A verdade sai-lhe do campo de visão e, em seu lugar, é colocada a estima do outro. Não mais os valores objetivos é que norteiam o indivíduo, mas tão somente o respeito humano. Este é um dos disfarces mais clássicos do amor próprio. É esta a falsa paz dos covardes e dos que se alheiam de si mesmos. É neste contexto que Jesus afirmou ter vindo trazer, não a paz, mas a espada.

A autêntica conversão exige da pessoa que se desfaça disso. Embora ela relute, este esvaziamento é uma libertação. Surge um sentimento de leveza e de paz quando percebemos que não há qualquer necessidade ou razão de levarmos estes pesos inúteis. O ego reclamará, pois o que deseja é ser admirado e fazer dos outros, fãs. Mas esta vil satisfação assemelha-se à lavagem com que o filho pródigo procurava matar a fome. É uma traição à nossa própria condição e é algo que termina por angustiar, pois a nossa alma está estruturada para encontrar sua satisfação com a Verdade e com a doação de si mesma.

O que deve nortear os nossos atos não é o constrangimento ou a admiração que eles nos causarão em face dos outros, mas tão somente a sua relação com a verdade, a beleza e o bem objetivos.

Este esvaziamento radical exige maturidade que, por sua vez, requer profundidade no conhecimento de si mesmo. Este abrir mão dos entulhos marca o início do retorno à nossa condição de seres imortais e semelhantes a Deus. Seres livres.

Jesus falou que a Verdade é que nos libertará. Logo, é a mentira o que nos prende. Abandonemos estes grilhões inúteis. Se o fizermos, assumiremos naturalmente uma atitude religiosa diante da vida.

"Quando abandonamos a Deus, passamos a incensar um falso absoluto", escrevia o Fulton Sheen.

"Fora de Deus, tudo é estreiteza", dizia S. João da Cruz.

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