Não precisamos ser falsos com nós mesmos. Aliás, não devemos. Se é a verdade que liberta, importa abandonar a mentira, ainda quando, à primeira vista, ela indique uma espécie de proteção. Acontece que enquanto alguém se protege freneticamente, isto também o impede de se lançar de verdade em qualquer coisa. Um covarde passa a vida paralisado. É por isso que Jesus diz: "quem perder a sua vida, vai ganhá-la". Dar o passo! Há tanto egoísmo envolvido nessa covardia - e já tratei bastante disso - que não o quero pormenorizar aqui.
Por vezes, queremos expectadores de cada ato nosso, construindo um tipo de draminha da nossa existência, onde a gente possa garantir que ganhará alguns aplausos. Isso parece nos dar uma motivação extra para fazer as coisas. E tão logo encontramos a platéia, no meio dos nossos amigos, familiares ou quem seja, iniciamos também os showzinhos, os exageros, as demonstrações de força. Mas, sobretudo, é importante fazer barulho. Não se pode correr o risco de não sermos notados! Cada boa decisão, cada virtude posta em prática, tem de causar uma admiração de alguém. E nesse processo, choramos e rimos e fazemos caras de herói e trejeitos de artista.
Só que isso tudo não passa de uma palhaçada! Enquanto vamos crentes de causar admiração, a única resposta que causamos é um riso de diversão pela nossa trágica falta de senso. Se um sujeito passa a vida assim, talvez adquira o conforto de se imaginar uma espécime rara dentre os humanos, muito embora tenha vivido, na verdade, como um bobo. Enquanto se pensava tão sincero, suas intenções estavam atentas nas reações que causava nos outros, ou nas recompensas que podia adquirir pelo seu teatro. E inverte tudo: dificulta o que é fácil, e facilita o que é difícil, mas isto só aparentemente. Se lhes é pedido para erguer uma formiga, farão todo tipo de caretas no processo de levantamento e se certificarão de cair pelo menos umas três vezes a fim de intensificar o ato heróico final do soerguimento histórico. Se lhes pedem para correr a São Silvestre, a vaidade não lhe permitirá desistir no meio do processo e, embora cansado, quase tendo um ataque cardíaco, passará em frente à câmera com o rosto tranquilíssimo, ostentando um preparo que ele não tem. "Vaidade das vaidades", diz o Eclesiastes. E, no final, o sujeito estará seguro de que fez algo grandioso. Realmente: uma imbecilidade monumental.
É por isso que eu gosto tanto dos santos. Eles foram totalmente o oposto disso. Quem quer que conheça um santo a partir dele mesmo ou mesmo de outro, mas de uma forma profunda, verá que estas coisas vão sendo gradativamente abandonadas por eles. S. Josemaria dizia que os biógrafos dos santos são seus traidores, pois os santos nunca pretenderam ser muito conhecidos. Lembro-me de S. Pio de Pietrelcina que, quando recebera os estigmas, chorava copiosamente e dizia: "quero morrer com dor, sim! Mas anônimo..." Lembro-me de S. João da Cruz que pedia diariamente para morrer desprezado e, no final da vida, tendo de escolher entre dois mosteiros a ficar, escolheu o que por certo o maltratariam ao invés do outro em que seria aclamado. Lembro-me de S. Francisco de Assis e seus retiros prolongados no Alverne onde, sem expectadores, ele se dava aos maiores rigores. E tantos e tantos outros santos que se tornavam amigos de Cristo justamente porque abandonavam esta busca frenética e neurótica por vaidades e por reconhecimentos. A "Perfeita Alegria" de Francisco é justamente isto: ser desprezado, ser vilipendiado, ser maltratado e ver que isso não causa nenhuma repercussão interior, nenhuma revolta, nenhum coitadismo, nem nenhum senso de heroísmo, nenhuma encenação, nenhuma estratégia artística.
Que Nosso Senhor nos liberte da nossa pequenez disfarçada de grandeza. De um monte de fezes pode-se imitar uma montanha. Que Deus nos livre da encenação barata que, como se não bastasse ser perda de tempo, nos impede de ser quem somos e nos ameaça de perder a eternidade.
Que a Virgem nos conduza.
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